O Palhaço, 2011, Brasil


Uma aula de compartilhamento

Sábio foi quem disse que a infância é a melhor fase do percurso de um ser humano, cá pra nós precisa ser reverenciado o sujeito que disse tamanha verdade. Quando somos crianças temos a ingenuidade de querer avançar os números para nos tornarmos criaturas horripilantes e mesquinhas, que no caso são os adultos. Só depois que crescemos vemos que sentimento assim foi perda de tempo e que o mesmo segue em frente e não volta mais. Vai ver que seja o motivo que me faça contar nos dedos as vezes que pisei no circo. Sempre tive a impressão que o mundo circense estivesse ligado diretamente ao universo das crianças, só que a gente é tão restrito há bobagens insignificantes que deixamos de aproveitar o que a vida tem de melhor a oferecer.

Não seja por isso, como dito, conto nos dedos os dias que pisei no circo e vendo o filme, O Palhaço, do ator e cineasta Selton Mello fui levado a sensações guardadas no passado. Com direito a pipoca e refrigerante e o picadeiro há alguns metros de distância dos olhos, não só acompanhei novamente o espetáculo, como fiz parte da trupe, saindo de turnê com os personagens mais exóticos do imaginário popular.

Selton Mello volta o avesso de sua primeira experiência como diretor, regado de uma leveza necessária e esperta para alcançar o grande público e também mostrando o outro lado do universo sombrio de Feliz Natal com uma fotografia colorida que através dos olhos dos cortadores de cana na primeira tomada avisa que está acessível e não veio sozinho.

O criador pega emprestado o fato recente de seu próprio descontentamento profissional para compartilhar de fundo ao seu personagem BenjamimPalhaço Pangaré, interpretado por ele mesmo, que está sofrendo uma crise de identidade afetando a sua profissão de palhaço. Em paralelo, conhecemos um pouco da rotina da trupe esperança dirigida pelo pai e também palhaço Valdemar Puro Sangue (Paulo Jose) que fazem breves passagens no interior do país.

Entretanto, engano de quem acha que não ira encontrar nenhuma semelhança na fita nova da atmosfera pessimista do primeiro longa metragem , a melancolia vem camuflada nos risos fáceis, sendo mais evidente na quebra de ritmo consciente do sorriso no semblante dentro do picadeiro para a angústia do mesmo nos bastidores. 

Quando notamos que o mesmo protagonista que domina com maestria os risos do seu espectador não consegue sustentar meia hora de diálogo fora do palco, vemos que a trama tem uma função além de nos tirar risadas. Através de dois pontos importantes da narrativa conseguimos não só sentir as dúvidas de Benjamim como transferir para nós, o mesmo dilema de quem sou? E qual é o meu verdadeiro dom?

Pontos narrativos, sendo um deles a personagem de Guilhermina (Larissa Manoela) funcionando como a pessoa que garantiu o ingresso e está acompanhando a história da cadeira do cinema, testemunhando em silêncio cada desdobramento das cenas e o outro ponto é o sonho de consumo do protagonista que é o ventilador, creio eu, que seja livre e possa encaixar-se em diferentes interpretações, a meu ver serve como uma espécie de antagonista florescendo através da vontade material do personagem de possuí-lo, podendo abrir outras portas há não ser o de palhaço. Um futuro aberto, que se fecha quando enfim consegue consumir o seu desejo e enxerga que mesmo com ele pode ser quem sempre foi.

Ao longo do percurso quem agradece é o publico que é presenteado com as diversas participações especiais, garantindo o riso frouxo e sincero da nossa parte, participações que surgem com os nomes de Jorge Loredo (o Zé Bonitinho), Ferrugem, Emilio Orciolo Neto (o melhor momento), Jackson Antunes, Fabiana Karla, Tonico Pereira, Dalton Melo e Moacir Franco (outro momento que merece destaque).

Enfim: O palhaço tem o requinte do cinema francês com toques sutis e trilha sonora usada como agente determinante para as emoções dos atores, o pastelão italiano para trazer o lado cômico da fita e a dose certa de malicia brega e o cenário rural digno e que particularmente remeteu os saudosos filmes dos trapalhões. A história bebe na fonte de muita produção boa por ai mundo dentro e a fora.

Com tantos pontos a favor o que chama atenção, pelo menos a mim chamou, foi à competência do roteiro, a sensibilidade das palavras trazendo a objetividade do desenvolvimento, tudo mostrado sem nenhum rodeio e ainda reservando muita lenha pra queimar nas entrelinhas, com indagações ala Tarantino, principalmente no diálogo dito pelo personagem do Moacir Franco que deixou claro a escrita excelente de Selton e o futuro brilhante de sua carreira (a frente das câmeras).

Para reforçar: boa parte da simpatia da produção foi causa do elenco brilhante, escolhido a dedo. Mas devo dizer que nem os irmãos Mello contracenando juntos e nem Moacir Franco com solo espetacular tiram o brilho da interpretação de Paulo Jose, que longe da sua melhor forma, devido problemas de saúde contínua firme e ainda consegue ser autêntico no seu exercício de profissão, ensinando, emocionando e rendendo o melhor momento do filme pra esse que escreve. Sua habilidade de seguir por outro lado nas resoluções de problemas em uma cena que a principio se dariam da forma tradicional aos nossos olhos, mas que realizados de sua forma singular consegue ganhar mais força e sem dúvidas nos fazem pensar bem mais.  Ver esse cara atuando em qualquer frente da arte não tem preço, tenho certeza disso.

Por fim: sabemos da ordem natural da vida e podemos tirar muito proveito da ficção que acabamos de assistir, gerando reflexão para aplicarmos em nossas próprias vidas.

Obrigado Selton Mello, seu dom e sua necessidade artística nos fazem crer em nossos próprios sonhos.


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